Um modo de acordar ...
Acordo indisposta. Não sei o que tenho. Dói-me a cabeça, o estômago… e este cansaço…! Levanto-me com dificuldade, vou ao quarto das crianças e acordo-as com a mesma letargia de todos os dias. E à medida que os minutos passam, dou comigo a gritar-lhe: despachem-se. Todavia, continuo parada com dois pacotes de leite em cima da bancada e uma caneca na mão…
E os berros vão ampliando com o avanço do relógio do microondas. Quando acaba a minha pouca paciência agarro a mais nova por um braço, arrasto-a até à casa de banho, penteio-a à pressa e barafusto: é todos os dias a mesma coisa… A mais velha já está atrasada e eu ainda nem tomei banho. Bebe o leite e despacha-te. Vais ter de ir a pé, digo-lhe. Ao ouvi-la rabujar, enfureço-me mais ainda, solto outro berro e culpo-as pelo atraso. Tomo um banho rápido, sem tempo para hidratar o cabelo, e finalmente vejo-me pronta para sair de casa. Meto a pequena no carro e vou todo o caminho a ameaçá-la com castigos que raramente cumpro.
Regresso a casa meia hora depois, sem vontade, sem ânimo… Mas tem de ser; existem três camas para fazer, a cozinha para arrumar, a roupa para estender, o tabuleiro dos gatos para limpar… Assim que entro em casa tropeço num brinquedo e respingo. Bato de frente com um monte de roupa para passar, lembro-me da máquina de loiça para arrumar, oiço a da roupa a apitar… Quem é que ligou a máquina da roupa!? Levo as mãos à cabeça. 60 graus!? Estou farta disto, berro. Saio disparada da cozinha, entro no quarto, enterro-me na cama e começo a queixar-me da vida. Sinto-me uma inútil, uma incapaz como mãe, como dona de casa, como mulher… como ser. A vida é isto!? Faço a mesma pergunta dias e vezes sem conta. E quanto mais me questiono e lamento, mais pena sinto de mim. Até que as lágrimas surgem junto com os brados, com o desespero, com a raiva… com o inexplicável vazio.
A meio da tarde, ainda abatida, lembro-me das crianças e do meu calvário a dobrar dali a poucas horas… Virão os berros para as pôr na banheira, o jantar a atrasar-se, a hora de irem para a cama a arrastar-se… E começo a angustiar-me novamente, a suprimir cada vez mais a razão de estar acordada.
A conta da luz, bate-me de repente. Salto da cama e abro o envelope que está esquecido há uma semana dentro da minha carteira. Não é possível…! Para pagar até quando!? Isto tudo!? É por isso que o carro continua à espera de oficina. Qualquer dia destes ainda fico empanada no meio da estrada. Oh Deus…! Olha só para a minha vida! Será que não vês? Que não me ouves? Caio novamente na lamentação. Acredito mesmo que ninguém é mais fracassado do que eu.
Já não sei há quanto tempo me arrasto e imploro a Deus me ouça e veja. E o meu marido? Será que ao menos ele me vê? Fecho os olhos e pergunto-me quando foi a última vez eu me vi. Caio sentada na cama. Oh, Cristo…! E eu que só queria ser feliz!
Um sopro passa pela fresta da janela. Levanto-me para a vedar com o rolo mas fico parada, a olhar o céu. Está um dia agradável... apesar de tudo! Prendo-me ao que resta da paisagem. Lá longe uma mãe brinca com a filha pequena na areia da praia. Dou-me conta que vivo perto do mar e que hoje este até está calmo. Terá estado calmo nos outros dias? A menina dá uma risada estridente enquanto a mãe rebola com ela. Penso de imediato na areia que vão carregar para dentro de casa; este é o motivo por que nunca deixo as minhas filhas brincar na praia. Sinto remorsos, desvio o olhar e reparo na idosa que espera pacientemente que um carro se digne a deixá-la atravessar a passadeira. Isto causa-me alguma indignação. Mas finalmente um generoso pára e espera que ela se arraste até ao outro lado. Depois vejo-o gesticular, acelerar o motor e assustar a pobre senhora. Estúpido, resmungo. Ela esperou bem mais e não… respingou...?
Paro no tempo. E eu? Que faço eu?
Sintetizo vertiginosamente toda a minha vida, o meu modo de ser e estar e fico boquiaberta. Que faço eu?
Um novo sopro desperta-me. Deito a mão ao fecho da janela, rodo-o e abro-a. A aragem amena e ténue da tarde de Maio toca-me no rosto e uma súbita sensação de bem-estar envolve-me como um abraço.
Que faço eu? Lamento-me!?
Corro para a casa de banho, observo-me ao espelho e noto que as rugas ainda não se vincularam à minha depressão, que o meu cabelo está descuidado mas que uma boa escovadela lhe vai trazer de novo o brilho, e que a s olheiras se podem disfarçar com corrector. Disfarço-as. Pronto, vês? Não estás assim tão mal!
E agora?
Agora vou para a rua, observar o mar, as crianças, as mães, os idosos, o sol e dizer mil vezes a mim mesma que quero ser feliz. Vou agarrar a vida que Deus me deu e cumprir a promessa que me fiz, antes de cair neste néscio esquecimento; ser feliz, ser feliz, ser feliz. Vou carregar-me de ânimo, de vontade, de certeza… Sim, é pelo ânimo que vou começar. Amanhã… Amanhã vou continuar cheia dele. E vou mantê-lo e insistir, insistir até o enraizar bem dentro de mim.
Sem me dar conta restabeleço a minha aura, parte da minha energia e do meu equilíbrio. É incrível o que um simples pensamento pode fazer com a nossa determinação!
A noite cai. Já não me dói nada e também não preciso de gritar às crianças para as pôr no banho; apenas as compro com algumas taças de arroz doce acabadinho de fazer, e descubro que funciona.
O jantar está pronto e o meu marido pôs a mesa; lembro-me que já o fez outras vezes e eu nem reparei. Sorriu-lho, ao mesmo tempo que pouso a travessa. Ele devolve-me um outro mais amplo. O que fizeste hoje?, pergunta-me.
Encolho os ombros; também já ouvi esta pergunta outras vezes, mas recuso-me a repetir as respostas.
Nada, respondo. Apenas acordei… para um novo dia.
Texto escrito pela nossa Querida Irmã Reikiana Graça Aguiar ...





































